Notícia

Mariana Pezzo - Publicado em 27-08-2019 13:00
Estudos evidenciam ação antitumoral e antifúngica do tungstato de prata
CDMF é pioneiro na modificação de semicondutores (Ilustração: Enio Longo - CDMF)
CDMF é pioneiro na modificação de semicondutores (Ilustração: Enio Longo - CDMF)
Em todo o mundo, vários grupos de pesquisa buscam novos agentes bactericidas e, particularmente, novas técnicas para obtenção de nanopartículas de prata, elemento com comprovadas propriedades antimicrobianas, usado para fins medicinais desde a Antiguidade, junto com o ouro e a platina. O Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) - sediado na UFSCar - é pioneiro nessa busca: em 2013, relatou a obtenção dessas partículas, de forma inédita, sobre a superfície do tungstato de prata (semicondutor formado por óxido de prata e tungstênio - Ag2WO4), por meio da irradiação de elétrons sobre esse material e depois, em 2018, através da ação do laser. Agora, o Centro acaba de dar mais um passo importante, reunindo novas evidências dos elevados efeitos antifúngicos e, também, reportando os primeiros resultados que apontam a ação antitumoral desse material.

O Diretor do CDMF, Elson Longo, conta que as primeiras descobertas aconteceram quase por acaso, quando o Centro buscava ampliar sua contribuição à área da Saúde. "O metal nobre associado ao semicondutor gera o que é chamado de efeito plasmônico, em que os elétrons da superfície são altamente ativos. Por isso, nós estávamos estudando profundamente, no microscópio eletrônico de varredura, esses materiais, para compreendê-los, quando notamos o que, inicialmente, pareciam imperfeições na sua superfície. Depois, verificamos que eram as nanopartículas de prata", conta o pesquisador. Essas modificações na superfície dos semicondutores alteram suas propriedades, trazendo novas possibilidades de aplicação e, no caso do tungstato de prata, aumentaram sua capacidade bactericida em 32 vezes.

Desde então, o Centro continuou realizando vários estudos, voltados à compreensão e, consequentemente, ao controle e potencialização desses fenômenos. Inicialmente, as modificações foram realizadas por meio da irradiação do material com elétrons e, mais recentemente, o CDMF tornou-se o primeiro laboratório do mundo a modificar semicondutores também com laser em femtosegundos (irradiação com fótons em pulsos ultrarrápidos, na velocidade de femtosegundos). Além de tornar o processo mais barato, o experimento da irradiação com laser também teve grande importância teórica, relacionada à comprovação do comportamento análogo entre elétrons e fótons (ondas), previsto pelo físico francês Louis de Broglie, um dos responsáveis pela Mecânica Quântica. "Como o elétron provocava o surgimento das nanopartículas de prata na superfície do tungstato, nós pensamos que a luz deveria fazer o mesmo, e foi o que aconteceu", relata Longo.

No estudo mais recente, publicado em julho deste ano no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, pesquisadores do CDMF olharam especificamente para aplicações odontológicas e, concomitantemente, para o uso no tratamento do câncer de bexiga. O trabalho voltado às aplicações odontológicas já vem sendo realizado há alguns anos, em parceria com pesquisadores da Faculdade de Odontologia do campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "A cavidade oral é reservatório de milhões de microrganismos, responsáveis pelo desenvolvimento de inflamações e doenças, tanto locais, na própria boca, quanto sistêmicas, ou seja, que podem se espalhar pelo corpo todo. Daí a importância do desenvolvimento de superfícies antimicrobianas, que podem, por exemplo, ser aplicadas sobre próteses", explica Camila Cristina de Foggi, graduada e doutora em Odontologia pela Unesp e, atualmente, pós-doutoranda no CDMF. A partir dos bons resultados já obtidos nos estudos in vitro (em microrganismos e células cultivados em ambiente laboratorial), os próximos passos agora são a aplicação dos materiais desenvolvidos em produtos odontológicos e a realização de testes em modelo animal (in vivo) para, em uma etapa seguinte, realizar os estudos em seres humanos.

Já a pesquisa para o tratamento do câncer de bexiga está dando os seus primeiros passos, em uma parceria estabelecida com o Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA) do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar, por meio do trabalho de Thaiane Alcarde Robeldo, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular (PPGGEv) sob a orientação de Ricardo Carneiro Borra, docente do DGE. No artigo, os pesquisadores relatam que os primeiros experimentos realizados, em células de camundongos, evidenciaram a seletividade do material analisado, ou seja, que ele atacou as células tumorais sem afetar as células saudáveis. Agora, novos estudos devem incluir análises moleculares (voltadas à compreensão de como o material age no interior das células) e, depois, testes em camundongos.

Além de Longo, Foggi, Robeldo e Borra, também assinam o artigo - disponível no site da Scientific Reports - os doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFSCar Marcelo Assis e Andressa Mayumi Kubo e o docente do Departamento de Química (DQ) da Universidade Emerson Rodrigues de Camargo, junto a outros parceiros da Faculdade de Odontologia da Unesp; da Universitat Jaume I, em Castelló, na Espanha; e da Technical University of Liberec, na República Tcheca.

CDMF
O CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, além da UFSCar, congrega pesquisadores de várias outras instituições. O Centro também recebe investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN). Mais informações em cdmf.org.br.