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Marcílio José Sabino Lana - Publicado em 06-04-2024 19:00
1964: Passado e Presente
Mesa redonda debate golpe de 1964 a partir de diferentes perspectivas (Foto: Marcílio Lana - CCS)
Mesa redonda debate golpe de 1964 a partir de diferentes perspectivas (Foto: Marcílio Lana - CCS)
Noite de quinta-feira, 3 de abril de 2024. No Auditório do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH), uma mesa-redonda reflete sobre os 60 anos do golpe militar de 1964, seus legados, a partir de perspectivas transversais e diversas. O debate acontece a partir de relatos e reflexões de quatro convidados: os docentes da UFSCar Vera Cepêda, João Roberto Martins Filho e Diana Junkes, e o professor Edson Telles, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A mediação ficou a cargo do também docente da UFSCar Fábio Sanchez.

A organização foi do Grupo de Trabalho Temático (GTT) "Conexões Invisíveis: Memória, Conhecimento, Sociedade, Antropoceno", vinculado ao Instituto de Estudos Avançados e Estratégicos (IEAE) da UFSCar, e do Observatório das Desigualdades, Conflitos, Democracia e Autonomia do Departamento de Sociologia.

Desigualdade socialmente construída
Vera Cepêda argumentou como o golpe de 1964 pode ser compreendido como uma resposta político-institucional para o encerramento de tensões iniciadas a partir dos anos 1920. Para a docente do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (DCSo), o que chamamos hoje de Brasil moderno está intrinsecamente associado às bases do movimento que desembocou em 21 anos de ditadura militar. 

As reflexões de Cepêda nos levam também de volta ao Brasil dos anos 1960, envolto em uma efervescência política e social originária da desigualdade social e econômica, característica que permanece nos dias atuais. Vera Cepêda alerta que essa desigualdade é socialmente construída por um modelo capitalista, orientado pela ideia do desenvolvimentismo e marcado pela disputa sobre a propriedade do Estado. 

É assim que Vera vai mostrando como o golpe de 1964 é uma espécie de resposta aos conflitos que afloravam na sociedade e na política brasileiras. Era necessário extrair o poder das forças em conflito. Nos anos 1960, explicou a docente, até mesmo o caminho desenvolvimentista estava fragmentado. De um lado, aqueles que defendiam a ideia de que primeiro era necessário "fazer o bolo crescer" para, só depois, dividi-lo; do outro, a perspectiva redistributiva, que apostava no desenvolvimento a partir de uma economia movimentada a partir de melhores salários e condições de vida. Venceu a primeira perspectiva, alinhada aos Estados Unidos. 

Os mitos da farda
O pesquisador João Roberto Martins Filho, também do DCSo e referência em pesquisas sobre as forças armadas, refletiu sobre o que ele chama de "mitologia da história brasileira" criada por essas forças. 
Martins Filho dialoga, em sua reflexão, com alguns desses mitos, e mostrou que a narrativa ainda hoje adotada e disseminada pelas lideranças militares entre as tropas e, também, na sociedade civil, edifica a ideia de que as forças armadas têm, na história brasileira, um papel de salvadoras da ordem. Para o pesquisador, se em 1964 o mito sustentava-se na narrativa do salvamento do Brasil do comunismo, este mito é reescrito e hoje o comunismo dá lugar à corrupção, dentre outras narrativas que resultam em violência contra populações minorizadas.  

Versos sob a violência
Diana Junkes, docente da área de Literaturas de Língua Portuguesa no Departamento de Letras, traz uma perspectiva distinta dos dois primeiros colegas. A partir de suas pesquisas voltadas às relações entre poesia e política e, nesse escopo, à análise das relações entre memória, testemunho e trauma, ela busca na literatura versos e autores que denunciaram as atrocidades cometidas pelo regime ditatorial. 

Junkes apresentou ao público presente o poema "Aquarela", de Cacaso (Antônio Carlos de Brito), professor universitário, letrista e poeta brasileiro. A obra descortina a tortura e a apropriação que o regime ditatorial faz das cores da bandeira brasileira. Trouxe também os versos de Carlos Marighella em "A Prece dos Escravos", na qual pede, com pesada ironia, que os sentidos lhe sejam extirpados para que não perceba mais as atrocidades da ditadura. 

Artefatos da ditadura
O professor de Filosofia Política Edson Telles, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura e ativista do que chama de resistências aos modos autoritários de gestão da vida, chama a atenção para o que ele denomina artefatos dos regimes ditatoriais, apropriados pelo regime militar brasileiro.

Telles falou, por exemplo, do artefato do estado de exceção, mecanismo adotado durante o regime militar e mantido na Constituição de 1988, que amplia o poder do Executivo e assegura às forças de segurança o lugar de garantidoras da ordem. Outro artefato abordado é o da eleição do "inimigo da nação", que garante a legitimidade da tomada de medidas repressivas e antidemocráticas. Telles chama a atenção para o fato de que tais instrumentos mantêm-se presentes na sociedade brasileira, e alerta que as forças armadas não podem ser compreendidas como mediadoras da ordem democrática.

Reflexão no ar
Para marcar a efeméride de 60 anos do golpe militar e, principalmente, registrar contribuições que possam seguir apoiando reflexões que articulem passado, presente e futuro no enfrentamento ao autoritarismo e na defesa da democracia, a Rádio UFSCar, em uma parceria com a Coordenadoria de Comunicação (CCS) da Universidade, produziu e veiculou série especial de entrevistas no programa Estação 953, que podem ser conferidas no blog da Rádio.   

Além das entrevistas no programa Estação 953, a Rádio UFSCar veiculou ao longo da semana programação musical especial. Foram 28 episódios do programa "Decantando a República República", produzido pelo Projeto República do Departamento de História e pela Rádio UFMG Educativa, e veiculado pela emissora da Universidade Federal de Minas Gerais. Entre os artistas e suas canções levadas ao ar pela Rádio UFSCar, Chico Buarque, Leo Jaime, Ivan Lins, Elis Regina, Plebe Rude, Gilberto Gil, Tom Zé, Gonzaguinha entre outros. A produção do Projeto República pode ser conferida no perfil do Spotify do grupo de pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Esta iniciativa também foi viabilizada por meio da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da UFSCar.